domingo, 9 de setembro de 2007

POR UM MUNDO MAIS CRIATIVO E ESTÉTICO

IVAN FERRER MAIA


Diante de uma paisagem, logo vem o sorriso e um sonho - a felicidade, um estado sublime de grande beleza. A criatividade possibilita os humanos a construírem novos sonhos, à felicidade. Mas os humanos buscaram um outro caminho, o da repetição.

Um dia, o filósofo Schopenhauer comparou, de maneira cômica e desesperançosa, o empreendimento humano com o da toupeira de patas em forma de pá: "cavar esforçadamente com suas enormes patas em forma de pá é o negócio de sua vida; cerca-o a noite permanente... O que ele obtém com esta vida tão cheia de dificuldades e vazia em prazeres? A alimentação e a procriação, ou seja, os simples meios para continuar e começar de novo, em novos indivíduos, o mesmo destino melancólico" (Schopenhauer apud Eagleton, 1993, p.117).

O que o filósofo do século XIX estava tentando alertar era para o modo de vida infeliz, que a grande parcela da população vivia, sem liberdade, dignidade e conforto: "...fazer sempre o mesmo trabalho mecânico é pagar muito caro pelo prazer de respirar" (Schopenhauer apud Eagleton, 1993, p.118).

Em pleno século XXI, as condições não são muito diferentes. A população mundial ainda passa boa parte do seu tempo vivendo de maneira mecânica e burocrática. O curioso é que, dos quase seis bilhões de habitantes do planeta, apenas um bilhão são considerados trabalhadores. Tirando os quase 150 milhões de desempregados no mundo, "os outros cinco bilhões são crianças, velhos, pensionistas e aposentados, donas de casa que cuidam da família, jovens que estudam e pessoas que vivem em busca do que fazer para sobreviver - se pobres ou tentando matar o tempo - se herdeiros de fortunas” (De Masi, 2000, p. 13).

Trabalhadores ou não, muitos fazem de suas vidas cenas enfadonhas, como se fosse proibido ser feliz na terra e devessem sofrer para que a felicidade pudesse ser alcançada somente no jardim do Éden, quando mortas. Não se trata de hedonismo, mas de dar sentido mais agradável à vida. A mecanização, a burocracia, o pensamento totalitário e a universalização do gosto demonstraram ser insuficiente para melhorar a qualidade de vida do mundo. Os preceitos iluministas centrados na pura racionalização e no progresso, demonstraram ser inadequados já no início do século XX, com as duas grandes guerras - os campos de concentração, as explosões nucleares de Hiroshima e Nagasaki.

Mesmo assim, a sociedade ainda privilegia a mecanização e a burocracia. Muitos pensadores e pesquisadores (Capra, 1992; De Masi, 2000; Gardner, 2000; Goleman, 1995; Maturana, 2001; Morin, 2002) têm apontado a criatividade e a sensibilidade como saídas desse mal estar. A questão não é substituir a razão pela emoção, e sim de estabelecer um equilíbrio, um novo paradigma para a vida que também leve em consideração a criatividade e a estética.

Na sociedade atual, muito se discute sobre a criatividade. No entanto, pratica-se a mecanização. Tomemos dois exemplos de importantes instituições - as empresas e as escolas - onde são comuns sempre ouvirmos alguém discursar sobre criatividade. Na primeira, é corriqueiro depararmos com frases do tipo: "precisamos de colaboradores criativos". Já nas reuniões pedagógicas das escolas, a expressão da moda é "devemos trabalhar as habilidades e competências dos alunos", ou ainda, "nossa missão é formar cidadãos criativos".

Afinal, o que querem dizer quando utilizam o termo criativo? Será que os empresários têm noção do que significa colaboradores criativos? Os educadores estão realmente lúcidos para o termo criatividade ou é mais um jargão escolar? No primeiro momento, pensamos que estão se referindo realmente à criatividade. Se atentarmos, veremos que é praticado exatamente o oposto.

Quando uma empresa solicita aos funcionários maior criatividade, está almejando que eles aumentem a produção, claro, para gerar mais lucro. Não são poucos os empresários que têm nos relatados que criatividade na empresa seria a maneira na qual os funcionários lidam com os problemas, envolvendo clientes, colegas, família, doenças etc. Lidar com o problema, nesse caso, quer dizer: o modo como os funcionários se adaptam aos problemas ou subvertem-nos sem deixar cair a produção da empresa.

O enfoque está no fim, esquecendo o bem estar do trabalhador. Se os trabalhadores são os grandes responsáveis pela qualidade do produto, o bem estar deles deve ser levado em consideração. Trabalhadores com melhores condições - de salário, ambiente agradável, saúde física e psicológica - estão mais motivados para as suas responsabilidades. Por ironia, os empresários ainda insistem em amordaçá-los. Trancafiam-nos em cubículos e os afogam no meio de um sistema burocrático. Pensando ser empreendedores inovadores, repetem a mesma mecanização encontrada na história do trabalho.

Nas escolas as coisas não são muito diferentes. Os educadores estão preocupados na produção da informação, em terminar o livro didático ou apostila. Estão interessados na quantidade de informações produzidas dentro da sala de aula e não na construção do conhecimento, como se os estudantes fossem gravadores para memorizar as informações, ou impressoras para reproduzir o conteúdo. Dessa forma, para muitos educadores o estudante criativo é aquele que se enquadra na matriz conceitual do educador - de memorizar e reproduzir as informações.

Qualquer disciplina escolar pode trabalhar com a criatividade, porém é com a Educação Artística ou Arte que a criatividade ganha prioridade e pode alcançar graus superiores em relação às outras disciplinas, visto que desenvolver a criatividade é um dos maiores objetivos da Educação Artística, e não é apenas temática transversal igual para as outras disciplinas.

Para ter a noção da prioridade que as escolas dão a criatividade é só mensurar, no currículo escolar, a quantidade de disciplinas que privilegia o pensamento lógico-dedutivo e o número de disciplinas que visam despertar a estética e o potencial criativo. O pior é que as poucas aulas de Educação Artística são ministradas, normalmente, por professores de outras áreas, que nunca ouviram falar, por exemplo, da técnica Dripping Paint (Action Painting), de Jackson Pollock - e continuam utilizando a cópia de estampas.

Nos dois exemplos citados existe um grave problema. Ambas as instituições, ao contrário que muitos dizem, ainda tratam os indivíduos como máquinas! O homo faber continua sendo o modelo atuante. O foco não está na competência ou na habilidade do indivíduo e sim nos seus movimentos mecânicos, no homem maquínico.

O homem maquínico é aquele que tem que cumprir maquinalmente o horário pré-estabelecido pela instituição. Cumpre, muitas vezes, sem ter o que fazer naquele instante - está ali por questões burocráticas. É o profissional da tal sociedade burocrática denunciada pelo sociólogo De Masi (2000). A burocracia exagerada é uma das grandes causadoras do empobrecimento da mentalidade criativa, do estresse, do desemprego, do mal estar social.

A criatividade vai muito além da concepção dada pelos burocratas. Criatividade é a função mental superior dos seres humanos e não se restringe à adaptação. É um poderoso recurso que todos os humanos têm para transformar sua realidade interna e externa, resolver problemas e buscar uma vida melhor.

Urge um paradigma estético para nortear as relações de cooperação capaz de atuar na percepção e na cognição dos indivíduos, a ponto de potencializar a criatividade. A Estética é o caminho e a cooperação criativa é o veículo para alcançar as portas da percepção e da cognição, à otimização da criatividade.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Capra, F. (1992). O Ponto de mutação. São Paulo: Cultrix.
De Masi, D. (2000). O futuro do trabalho. Brasília, DF: UNB, José Olympio.
Eagleton, T. (1993). A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Gardner, H. (2000). Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas.
Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva.
Maturana, H. (2001). A ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG.
Morin, E. (2002). O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina.

4 comentários:

José David Borges Jr. disse...

"Na sociedade atual, muito se discute sobre a criatividade. No entanto, pratica-se a mecanização."

O ser humano está perdendo a capacidade de sonhar. A rotina e a burocracia da vida nessa sociedade consumista embaça-lhe a visão de algo maior: o poder que todos nós temos de criar e recriar, às vezes até brincando!

Coincidentemente estava realizando uma pesquisa sobre o best seller do alemão Michael Ende, e vim parar aqui a pedidos de uma amiga. Deparei-me com seu texto e não pude deixar de lembrar-me de "The never ending story", 1979. Em que o mundo da fantasia humana vai morrendo devido a essa caótica mecanização do ser (chamada no livro de "o nada"), causando depressão, estresse e outros males na sociedade contemporânea (e na história, a destruição completa da terra de Fantasia). Nessa história, que foi adaptada para o cinema no ano de 1984 (com direção do também alemão Wolfgang Petersen), Bastian (protagonista interativo que representa todos nós) é o menino que lê o livro e faz a história existir.

Agora, revendo algumas questões sobre interatividade, é interessante notar que tanto o livro quanto o filme colocam o leitor/espectador no centro da história. Era Bastian, o menino que lia a história no sótão do colégio, e somente ele (todos nós), quem poderia salvar Fantasia. Salvar a vida da Imperatriz menina; Atreyu, o guerreiro; do dragão da sorte; do homem de pedra; quantas vidas dependiam de nós. Isso, na verdade, é o encanto de qualquer livro. A diferença quem explica é o velho do sebo, de quem Bastian rouba o livro. Ele diz que os outros livros que o menino leu eram inofensivos. Porque depois de lê-los você volta a ser apenas você.

Todos nós, assim como o protagonista Bastian, fazemos parte dessa história sem fim, mas se não nos esforçar-mos para despertar essa criatividade "adormecida" dentro de nós e pricipalmente dos alunos (falo agora enquanto professor), fantasia desaparecerá e com ela toda a beleza, toda a estética, toda a criatividade e, consequentemente, toda a felicidade. Afinal, viver apenas por viver não tem graça, é realmente um nada.

Olavo disse...

Até onde a ignorância pode ser considerada felicidade? E sim uma forma falsa de transcendência. Pela arte podemos ser dignos da verdadeira felicidade?

Se não fosse por este tipo de formação da sociedade como ficaria a arte e a noção de felicidade?

Será que não somos nós que buscamos o nada ?

Podemos nos silenciar ou brigar pelo nada!










Blog que venho lendo:

http://desacocheiodessepais.blogspot.com/

Título do blog:

BRASIL SUBTERRÂNEO: crônicas e ensaios sobre a vida em um país afundado em caos e ilusão

Unknown disse...

A modernização do ensino focalizando a tecnologia pode piorar ainda mais as coisas. O conhecimento é válido desde que o eu-próprio saiba controlar seu chip de informações, usando-o para a sua evolução. "The Never Ending Story" (traduzido: A História sem Fim), citado acima , é uma obra fantástica que pode ser analisada de várias maneiras. É necessário saber viver e entender o que buscar durante qualquer jornada. Cada um deve procurar o seu destino e criar maneiras, usando suas habilidades criativas, de sempre alcançar o objetivo maior. Afinal, o que vale na vida é a viagem e a maior leva de informações que conseguimos captar e não o ponto da chegada.

"O pessimista senta-se e lastima-se;
O otimista levanta-se e age."

Livro: Otimismo em Gotas, 26a. edição, autoria R.O. Dantas.

Anônimo disse...

E um grande obstáculo da criatividade, da busca de inovação, etc, é o rótulo de "futilidade" que tais podem receber de alguém que superficialmente analisa a situação.
"Pra que gastar tanto dinheiro com a fachada do prédio público se o que importa é a sua função?"
"Pra que a Moda se roupa só serve para 'se cobrir'?"
dizem os superficiais do mundo, que preferem vê-lo como uma contínua luta apenas pela sobrevivência. São o tipo que não ligaria de comer ração, de tomar pílula pra suprir as horas de sono, etc. Esquecem-se dos prazeres, esquecem de criar, de inovar, de mudar e, enfim, de se diferenciar dos demais animais (como a toupeira de Schopenhauer)

Estou no 3º ano do Ensino Médio pronto para prestar vestibular, etc, e me assusto a cada dia com alguns colegas,na mesma situação que eu, fazendo as contas para saber o ano de suas aposentadorias.
Parece que "engoliram" o mundo capitalista globalizado, parece que foram dominados por ele e só resta conformar-se. A vida passou a ser apenas um olhar constante no futuro incerto, e a garantia de segurança para a vida toda. Esqueceram que do presente para esse tal futuro existem muitas pedras, garrafas, chaleiras, chocolates, cervejas, etc, no caminho. Esqueceram de achar um sentido para a vida, fazendo dela esse somatório de repetições, essa coisa "básica" e nada mais. Ou, na verdade, tudo isso seja uma constante adiação da busca por esse tal sentido. Por medo, por falta de audácia, por acomodação ou por preguiça mesmo.

Andy Warhol retratou, com muita ironia, essa constante repetição que é a vida moderna. Retratou o que é chamado de fútil, o que é vazio, ao meu ver, tentando achar um sentido para aquilo tudo. E assim como Warhol, temos que tentar enxergar além do que parece futilidade e/ou inutilidade. Não podemos exigir de cada coisa ao nosso redor que esta seja funcional. às vezes, precisamos ver além do básico. Uma casa não é só para abrigar pessoas, uma música não é só pra fazer lucrar uma gravadora e nem um filme é só para "abastecer" o cinema.
Somos mais que máquinas programadas para viver sem algum nível de intensidade. Somos seres humanos e como tais somos complexos e peculiares. Que se aproveite isso; que haja criatividade!