terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Liquidação

Texto de Mário Lemes

Foi-se o tempo em que a Moda era ditada. Ou, foi-se o tempo em que era Moda ditar Moda. Não que não existam mais tendências, roupas vendidas em massa, etc. Claro que tudo isso ainda existe e, creio eu, sempre existirá. Mas a questão é que, de uns tempos pra cá, seguir as tendências à risca e se deixar moldar de acordo com elas é algo visto como um tanto demodê. Aliás, o próprio termo "demodê" também já deveria ser considerado fora de moda. Ted Polhemus, um antropólogo conhecidíssimo no mundo da Moda, teorizou que o que veríamos a partir da década de 90 seria um grande "supermercado de estilos", onde todas as épocas passadas, todas as ideologias e etc, estariam dispostas como latas em uma prateleira, prontas para serem escolhidas e consumidas livremente. A meu ver, Ted fez uma releitura da idéia de Andy Warhol, figura maior do movimento Pop Art, que se tornou célebre em meados do século passado. Em síntese, Warhol era um artista que colocava como um produto comercializado em série tudo aquilo que a sociedade valorizava.
A visão de Ted (e também de Warhol) aponta para um mundo fashion que só se desenvolve e evolui a partir de coisas já prontas. Em outras palavras, é como se tudo já tivesse sido criado e não desse mais para ficar esperando inovações para se vestir e, sim, devêssemos pegar um pouco de tudo já existente e criar, nós mesmos, nosso próprio estilo.
Pode parecer tanto mais fácil quanto mais difícil do que realmente é. Criar o estilo próprio requer bom senso: não adianta colocar uma pantalona porque acha legal, se você mede 1,56. O ideal é ter percepção e escolher "na prateleira de latas" o que mais lhe cai bem e também o que vai de acordo com o seu gosto. Além disso, requer ousadia, claro! Para não ter medo e nem vergonha de usar algo que sua avó já usou parecido na juventude ou colocar um chapéu com o qual você nunca viu ninguém igual.
Também não adianta encher o guarda-roupa com peças iguais as da novela, comprar tudo que viu no São Paulo Fashion Week ou querer uma roupa porque a viu em todo mundo, achando que vai "estar na Moda": A saturação e a massificação das roupas também é absolutamente FORA de moda. Um exemplo que sempre costumo dar é o das tão "queridas" leggings: As famosas calças coladas já foram "supimpa" nos anos 80 (quando, inclusive, a expressão "supimpa" também fazia sucesso). Depois, associada com a plataforma que foi hit anos antes, a legging virou sinônimo de cafonice, gente brega, mulher do subúrbio. Depois de sumir, reapareceu embaixo de saias e coisas assim pra virar cafona novamente e depois ressurgir das cinzas combinadas com batas esvoaçantes. Confesso que há um ano e meio, eu ainda acharia uma mulher de blusão e legging no mínimo elegante, mas hoje... a peça supersaturou, começou a aparecer no corpo das atrizes "popularescas", das cantoras de axé, e de todas as mulheres do Brasil. Ficou algo assustador! Ninguém mais parece ter personalidade e estilo próprio com essas calças, virou um uniforme! Se contrapondo à síndrome do "todo mundo tem, eu tenho que ter", está o anseio pela unicidade das roupas que se usa. É um tanto duro dizer isso, mas querer e exigir a exclusividade do vestuário é, no mínimo, pretensioso. Como Ted Polhemus disse, as latas estão na prateleira e, segundo Andy Warhol, elas são mesmo produzidas em série. E não adianta: sempre haverá alguém no mundo com alguma peça igual à sua. O que fazer? Buscar a tal exclusividade nas combinações, nas sobreposições, nas escolhas e criar peculiaridades na hora de montar seu estilo próprio.
Há uma regra básica quando o assunto é Moda (chamemos aqui de auto-moda): nunca subestimar o guarda-roupa. Explico, ou melhor, exemplifico: as estampas xadrez anos atrás marcaram forte presença no armário bagunçado de todos os grunges, em certos lugares já foi associada à imagem de caipira e até de mendigo, foram se tornando peça alternativa cobiçada (que, por sua vez, tende a ser cool), de repente começou a ganhar um adepto fashion aqui, outro ali e pra nossa surpresa (ou não) foram vistas recobertas de glamour há algumas semanas nos desfiles do SPFW e do Fashion Rio. Outro exemplo positivo que dou é o das gravatas, acessório típico do vestuário formal masculino que teve sua origem num passado remoto, associado à aristocracia, já representou muitas ideologias, foi símbolo de "executivo" e há pouco tempo apareceu pendurado no pescoço de vários adolescentes. Você arriscaria um palpite sobre as futuras tendências da gravata? Eu não. Assim como é difícil prever as tendências sobre qualquer coisa pra daqui uns dez meses.
A Moda é imprevisível e como tal não deve ser pré-julgada. Não se pode deixar-se moldar com tudo que se vê por aí gratuitamente. Muito menos rotular o estilo de alguém ou jurar nunca usar alguma peça. A Moda muda. A Moda roda. O que já foi considerado brega pode não ser mais, ou, talvez, até seja. Mas sempre será cool ter um estilo próprio. E eu disse PRÓPRIO, não ultrapassado. Busque, sim, a exclusividade! Mas faça-a surgir de você mesmo. Coloque a personalidade na sua roupa. Crie um estilo único. Com ousadia e o mínimo de bom senso, escolha as melhores "latas", encha seu "carrinho". O "Supermercado" está de portas abertas e vive em liquidação. Seja bem-vindo!



Mário Lemes

É articulista de Moda do site:
http://www.revistamirabolante.com.br/

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