quarta-feira, 23 de abril de 2008

Diretas já... Já?


Texto de Mário Lemes


"Entre cortes de cabelo e roupas, vemos uma população que se entrega a qualquer modismo que aparece, de repente, numa tela."

Muito se fala sobre a "democratização da moda"[1]. E é comum vermos opiniões como "não podemos criticar o jeito dos brasileiros se vestirem, quando as grandes grifes nacionais só produzem roupas com preços nada acessíveis". Argumentos assim partem do princípio de que só existe roupa elegante e de boa qualidade com as marcas mais caras. E também deixa implícito que o povo brasileiro quer se vestir melhor, mas não tem condições. Talvez ambas as afirmações mereçam ser analisadas com cautela.
Em primeiro lugar, devemos lembrar de que existe muita coisa boa por aí, que não tem uma marca famosa na etiqueta. Claro, é mais fácil achar um jeans com um caimento perfeito da Ellus do que em meio ao Brás. Mas, quando o assunto é roupa, saber garimpar é um dom muito precioso. Saber (e ter tempo de) andar por aí, procurar em sites da internet, folhear todo tipo de catálogo em busca do melhor para se vestir é de extrema importância. "Compre menos, escolha mais" disse a estilista, rainha do Punk, Vivienne Westwood [2].
É possível, sim, vestir-se bem gastando pouco. É claro que ter dinheiro ajuda, mas com um pouco de paciência, esforço e bom gosto, uma pessoa de classe social inferior pode, sim, ser bem mais estilosa que qualquer nome da alta sociedade.
Outra questão a ser levantada é o fato de que o brasileiro é um povo sem identidade no quesito vestuário. Não me refiro aqui à moda das marcas brasileiras, não, elas recebem cada vez mais destaque no mercado e estão de parabéns. Também não me refiro àqueles que realmente entendem de Moda e/ou têm um estilo próprio muito bem elaborado, que se vê pelas ruas do país. Quando foi dito "povo brasileiro" estava me referindo à grande massa, à enorme parcela da população que gosta de usar qualquer peça que vê na mídia sem nenhuma preocupação com acabamento, qualidade, estética, etc.
Lembram dos shortinhos do " É o Tchan" [3]? E das pulseirinhas da Jade[4]? Pois bem, entre cortes de cabelo que podem deformar um rosto e roupas "despretensiosas", vemos uma população que se entrega a qualquer modismo que aparece, de repente, numa tela. Sem falar da preocupação da maioria dos brasileiros, principalmente, de mostrar ao máximo o corpo. As popozudas do funk, os "saradões" da praia, etc, não querem saber de se vestir com elegância e talvez nem com estilo: querem, simplesmente, mostrar músculos e curvas.
Diante de questões como estas, não tem como não julgar o assunto "Democratização da Moda" algo, no mínimo, complexo demais para se posicionar com argumentos óbvios. É como dizer, sem possibilidade de contestação, que se é contra o aborto, contra a eutanásia, a favor da pena de morte, etc. Este é um assunto que tem dois (ou até mais) lados que devem ser cuidadosamente ponderados.
Será que o brasileiro quer e se preocupa em vestir-se melhor? Se sim, será que é tão difícil fazê-lo? Dizer que basta as grifes baixarem os preços e fashionistas abrirem espaço para a grande massa é um tanto (e bota tanto nisso) hipócrita.
Será que boas roupas e a acessibilidade a elas, superariam o fetiche nacional de vestir tudo que aparece na TV? Talvez... Mas creio que levaria alguns milênios!

[1] Nesse blog há um post falando sobre o assunto: prataporter.blig.ig.com.br

[2] viviennewestwood.co.uk

[3]Sucesso nos anos 90, o "É o Tchan" foi um grupo de Axé com músicas de forte e implícito apelo sexual, também conhecido por suas dançarinas com roupas sensuais demais.

[4]Jade foi uma personagem da novela "O Clone" de Glória Perez. A novela retratava, entre outras coisas, o mundo árabe e a personagem ganhou identidade com as pulseiras que se conectavam em um anel e virou febre.

Mário Lemes é articulista de Moda do site:http://www.revistamirabolante.com.br/

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