quinta-feira, 3 de abril de 2008

JANGADA DA MEDUSA


[ texto publicado no site publicado no sitehttp://www.viraweb.com.br de 15/03/2003 ]


Texto de Ivan Ferrer Maia

Algo de muito estranho colocou as pulsões (oréxis que move a alma) cognitivas e sensitivas dos seres humanos em crise. Não sabemos especificamente o que é. Sabemos que um novo dilúvio foi anunciado (Pellanda e Pellanda, 2000). A tempestade de informações está congelando os indivíduos a beira mar.O mundo está com uma velocidade incansável, fragmentado, granulado e as informações se justapõem, quando não se sobrepõem. O que fazer diante das novas tecnologias e do oceano de informações que corriqueiramente nos atropelam? A âncora foi recolhida e estamos em pleno dilúvio de informações. É preciso saber navegar. Há uma jangada tecnológica onde novas relações se constroem - um espaço virtual com forte potencial para a construção do coletivo. Esse espaço possibilita trocas de experiências e informações entre os usuários, além de compartilharem dúvidas e reflexões que geram novos conhecimentos.Porém, há aqueles que evitam o diálogo e a tecnologia. Os neofóbicos, os ermitões, os céticos, os pessimistas recusam embarcar nessa odisséia. Poseidon agita o mar e eles ficam apreensivos em ser naufragados. Temem ser os protagonistas de A Jangada da Medusa (1819) de Géricault. Querem se isolar e se sentem apegados à terra, mas já a perdemos (Husserl). Diante da foto noturna do planeta Terra tirada pela NASA, eles refutam o discurso da exclusão digital e propõe uma leitura da cartografia do sossego.No entanto, esquecem que é por meio da interação que o homem está construindo sua cultura. A necessidade de se comunicar gerou o desenvolvimento da oralidade e da escrita. Na situação atual, a tecnologia veio suprir o problema da distância geográfica, do tempo síncrono e assíncrono, da velocidade e da transferência de informações. Os ermitões não querem se aventurar como fez Ulisses na viagem a Ítaca. Eles receiam dialogar com o outro. Freud já nos avisava, o outro é como um reflexo do nosso espectro. Ver o outro é nos ver. O Ego Ideal pode desmanchar-se. É agonizante. Por isso, a recusa do outro.No entanto, vemos no outro oportunidades para evoluir. Nas relações há trocas simbólicas e formação de novos significados, conseqüentemente aumenta a autoconscientização. Apesar de alguns infortúnios, o ser humano está mais autoconsciente do que nunca. Entramos na Era Consciencial. O muro já não está tão alto. Assistimos o declínio das fronteiras. A telescopia agora é interativa.O ser humano é dialético e para construir novos saberes requer uma postura de diálogo constante com o mundo. A distância se encurta, o tempo se desfaz: como posso sedimentar o meu universo me afastando do outro? A formação do ser humano se realiza pela interação entre a sua estrutura interna com o mundo externo (constituído de signos, de pessoas, de um complexo social e ecológico). É por meio do diálogo que se rompe com o egocentrismo (infantil) e com o egoísmo (adulto), criando-se um ambiente de liberdade e cooperação. Para Paulo Freire, o diálogo é "o encontro de homens que pronunciam o mundo" (Freire apud Matui, 1998, 74).Dessa forma, as interfaces dos ambientes virtuais devem ser desenhadas visando o encontro / troca de idéias e conhecimento entre os usuários, a partir de ferramentas como chat, portfólio, fórum de discussão e outras.Essas ferramentas são oportunidades para interação e permitem que a estrutura interna do indivíduo se estabeleça em um processo de equilíbrio (assimilação e acomodação piagetiana), desenvolvendo maior condição de suportar e construir novos saberes. Nas palavras de Piaget, "uma equilibração é necessária para conciliar os aportes da maturação, da experiência dos objetos e da experiência social" (Piaget apud Montangero, 1998, 161). Em termos de ecologia cognitiva (Lévy, 2000), as inter-relações (sujeito-sujeito, sujeito-mundo) se realizam em um espaço-tempo de aprendizagem e estabelece a figura do sujeito-social do conhecimento. Na ecologia cognitiva o espaço sócio-cultural é estruturado por apropriação participatória, ação interguiada e aprendizagem cooperativa, além de formar uma área de desenvolvimento proximal (Vygotsky). O ambiente virtual que sustentar o processo de equilíbrio do indivíduo poderá ser considerado um espaço de realizações significativas de ações conjuntas, um espaço centrado na evolução humana, capaz de suportar o novo dilúvio de maneira transformadora.

IVAN FERRER MAIA Doutorando em Multimeios / UNICAMP, Designer, Diretor Pedagógico da COOPERCAMP, Reitor e Professor da UEMG, docente das disciplinas de Metodologia Científica, Arte e Sociedade, História da Arte e Turismo Cultural. Especialista em Criatividade, Cultura Visual e Tecnologia Digital.

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